POR DENTRO DOS BIOSSIMILARES

A CIÊNCIA POR TRÁS DOS BIOSSIMILARES

As principais estratégias adotadas visando garantir o sucesso no desenvolvimento de medicamentos biossimilares são abaixo descritas.

A. Conhecer a fundo o medicamento utilizado como comparador (inovador): como o objetivo principal no desenvolvimento de um medicamento biossimilar é obter um produto o mais similar possível a um determinado medicamento biológico comparador (inovador), o primeiro passo é estudar esse medicamento eleito como comparador em detalhes.
Diferentes lotes desse medicamento comparador são analisados para que seja avaliada uma série de propriedades físico-químicas, estruturais e biológicas (características relevantes para a segurança e eficácia de seu uso). Essa análise de diversos lotes garantirá que se defina, para cada propriedade analisada, do medicamento comparador, o quanto ela varia lote a lote. Ao longo do desenvolvimento do biossimilar, essas propriedades críticas para sua segurança e eficácia deverão ser comparadas às do medicamento comparador, e os resultados das análises feitas com o biossimilar deverão permanecer dentro dos limites de variabilidade observados para diferentes lotes do inovador.

B. Análise da sequência de aminoácidos: as substâncias ativas que compõem os medicamentos biológicos, em sua grande maioria, são proteínas, cujas unidades básicas estruturais são aminoácidos. Para garantir sua funcionalidade e biossimilaridade, a sequência de aminoácidos de um biossimilar precisa ser idêntica à sequência de aminoácidos do medicamento comparador (inovador). Para isso, inicialmente é feita uma análise da sequência de aminoácidos do medicamento comparador. Em um passo seguinte, é inserido, na célula viva escolhida (denominada célula hospedeira) que vai produzir essa proteína biossimilar, um código (gene) para que essa célula produza exatamente a mesma sequência de aminoácidos do medicamento comparador. Desta forma, a célula desenvolvida passa a sintetizar a proteína biossimilar desejada (substância ativa do biossimilar), com a mesma sequência de aminoácidos do medicamento comparador (inovador), garantindo, à proteína, a mesma conformação e função do inovador.

C. Uso de métodos integrados (ortogonais): devido à alta complexidade dos biossimilares, muitas vezes é necessária a utilização de mais de um método analítico para avaliar uma mesma propriedade físico-química, estrutural ou biológica do medicamento. Essa estratégia fortalece a segurança em torno da comparabilidade entre biossimilar e comparador (inovador), fornecendo maior robustez aos resultados.

D. “Estado Da Arte” em metodologias analíticas: o uso de métodos modernos e atuais de alta sensibilidade, capazes de detectar mínimas diferenças entre o candidato a biossimilar e o medicamento comparador (inovador), é vital para o sucesso da demonstração da biossimilaridade durante o exercício de comparabilidade in vitro, ou seja, em laboratório.

E. Célula Hospedeira semelhante à adotada pelo desenvolvedor do produto referência: o perfil de glicosilação, ou seja, o perfil de açúcares ancorados à molécula, de uma proteína recombinante de uso terapêutico, é uma das características essenciais para garantir adequada função e segurança dessa proteína, porque impacta em propriedades diretamente ligadas à eficácia e à segurança do medicamento biológico. Diferentes células hospedeiras (células onde se insere o gene que contém o código para a célula produzir a molécula ativa do medicamento biológico), oriundas de diferentes tecidos e espécies animais e vegetais, fazem o processo de glicosilação das suas proteínas de forma diferente. Como o desenvolvedor de biossimilares quer obter o mesmo “perfil de glicosilação”, para ter um medicamento com mesmo perfil de eficácia e segurança, comparativamente ao medicamento comparador (inovador), o ideal é adotar linhagem de célula hospedeira semelhante à empregada pelo desenvolvedor do medicamento comparador.

F. Desenvolvimento do Processo: durante todo o desenvolvimento dos processos de multiplicação celular e produção da molécula recombinante (Upstream processing), bem como dos processos de recuperação e purificação da molécula (Downstream processing), até a etapa de formulação e envase do produto final, deve-se empregar o medicamento comparador (inovador) como modelo para o desenvolvimento do medicamento biossimilar.
Informações sobre o processo de produção do medicamento comparador não são conhecidas; desta forma, a estratégia que geralmente se adota é definir algumas propriedades específicas do medicamento comparador para nortear esse desenvolvimento. As especificações para essas propriedades são empregadas como critérios de aceitação a serem adotados em cada etapa do desenvolvimento dos processos de produção.

G. Comparabilidade Lado a Lado: assim que finalizado o desenvolvimento de todas as etapas do processo de produção, com obtenção de um produto com perfil de biossimilaridade dentro do esperado, define-se todas as condições operacionais a serem seguidas para a produção do biossimilar com a qualidade desejada. São então produzidos alguns lotes nessas condições, tanto para prova de consistência do processo de produção, como para adotar os lotes em um estudo de comparabilidade lado a lado, para prova de biossimilaridade in vitro entre medicamento comparador e medicamento biossimilar.
O número de lotes a ser analisado (do medicamento comparador e do lote comercial do biossimilar), deve ser justificado à agência reguladora e dependerá do conhecimento levantado ao longo do histórico de uso do medicamento comparador, do conhecimento adquirido ao longo do desenvolvimento do biossimilar, e da variabilidade do método analítico. Uma análise estatística adequada deve ser apresentada para a garantia da biossimilaridade, com base nos resultados desse estudo de comparabilidade.

H. Totalidade de evidências: os protocolos dos estudos não clínicos (em animais) comparativos, e de estudos clínicos (em humanos) comparativos, devem ser desenhados com foco em resolver dúvidas residuais, ou seja, questões não esclarecidas durante o exercício de comparabilidade dos produtos in vitro (em laboratório), em relação ao potencial impacto de diferenças observadas entre produto biossimilar e medicamento comparador sobre segurança, eficácia e imunogenicidade.

I. Diálogo constante com autoridade reguladora: é de suma importância que haja uma relação estreita com a agência reguladora, no caso do Brasil, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), desde o início do desenvolvimento dos biossimilares, para alinhamentos periódicos em relação à coerência da condução do desenvolvimento, passo a passo, desde seu planejamento. Esta aproximação visa evitar surpresas ao longo do caminho que possam demandar retrabalho ou levar a exigências não previstas, que poderiam gerar um aumento do custo do desenvolvimento, ou mesmo, em casos extremos, inviabilizar o projeto.